A Secretaria de Educação do Paraná (Seed) usou dados internos para enviar para o celular de pais e responsáveis por alunos das escolas públicas do estado um vídeo contrário a greve dos professores. O vídeo, sem autoria, fala em manifestações repletas de violência e que os filhos e filhas estariam em risco. O número que disparou a mensagem é o mesmo utilizado pela Seed para a comunicação com os pais.
Em nota, a secretaria confirmou que enviou a mensagem. "O objetivo era alertá-los sobre os riscos que estudantes podem enfrentar em manifestações, promovendo a reflexão e prevenindo situações adversas", diz trecho da nota. A greve, que durou três dias, foi composta por professores e funcionários de escolas da rede estadual do Paraná contrários à terceirização da gestão de 204 colégios públicos. A reportagem apurou que o responsável pelo envio foi um funcionário contratado por meio de um convênio entre a Seed, a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e a Fundação de Apoio à Pesquisa, ao Ensino e à Cultura (Fapec).
A divulgação do material está sendo questionada, porque o acesso aos dados de pais e responsáveis que estão no sistema da Seed desrespeita a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). A legislação está em vigor desde setembro de 2020 e estabelece regras sobre o uso de dados pessoais dos brasileiros. Ela foi criada com o objetivo de garantir mais segurança e transparência às informações pessoais coletadas por empresas públicas e privadas.
De acordo com a APP-Sindicato, que representa os trabalhadores da educação pública, foram feitos dois disparos de mensagens com o vídeo. Um deles no dia 28 de maio, quando a categoria já havia anunciado a paralisação, e o outro no dia 1º de junho, dois dias antes do início da greve. Manifestantes chegaram a invadir o prédio da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), onde o projeto de lei foi votado na tarde de segunda-feira (3).
Por meio de nota, a Seed afirmou que vai abrir uma sindicância para apurar as circunstâncias do ocorrido e ressaltou que a pasta "zela pela transparência". O vídeo foi disparado para quantas pessoas? De quem foi a ideia para produzir o vídeo e quem a autorizou? A Seed sabia que foi usada uma base de dados protegida? Qual o custo da operação para produzir o vídeo e disparar as mensagens? Por que a secretaria não assina o vídeo? Qual a finalidade do convênio entre a Seed, a UFMS e a Fapec? Qual o custo e a validade do contrato?
Ação feriu LGPD, diz especialista Eduardo Tessarolli, advogado especialista em proteção de dados, analisa que o uso da informação dos pais pela Seed feriu a LGPD, neste caso. "Ocorreu um abuso dos dados que foram coletados previamente pelo Estado do Paraná e pela Secretaria de Educação. Dados que foram coletados das famílias que matricularam os filhos, dados que envolvem nomes dos pais, seus telefones particulares, nomes desses alunos, que foram coletados num primeiro momento com a finalidade de ter esse público", explica.
Deputados estaduais da oposição convocaram o superintendente do Paranaeducação, vinculado à Secretaria de Estado da Educação, para dar explicações sobre a situação. Entre os questionamentos dos deputados estão, por exemplo, se houve o vazamento de dados sigilosos que estão sob os cuidados da Seed. O pedido ainda precisa passar por comissões e ser aprovado em plenário.
"Nós estamos convocando o superintendente para explicar o contrato, a razão desse vídeo, razão do acesso de terceiros a dados de pais e alunos menores de idade e que eles expliquem quem, como, quando e porque fez esse vídeo, disparou esse vídeo, pagou por esses disparos e de onde saiu esse dinheiro. Não era um vídeo institucional. Ele é um vídeo político, tentando convencer pais, alunos e a população em geral de que a greve era uma baderna, era algo ruim e desorganizado", afirmou o deputado Requião Filho.
A presidente da APP-Sindicato, Walkiria Olegário Mazeto, afirmou que o vídeo foi disparado com o objetivo de amedrontar aqueles que não participam do cotidiano da escola ou que não têm o hábito de acompanhar movimentos sociais, sindicais ou populares. "A gente tá num período de muita polarização na sociedade, esse tipo marca um lado da polarização. [...] O estado criou naquele vídeo uma descrição sobre esses movimentos sociais, sindicais ou populares de forma pejorativa e criminosa, como se fossem criminosos", afirma.
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