O Paraná enfrentou um crescimento no número de mulheres e meninas mortas de maneira violenta e intencional entre 2023 e 2024. O aumento de 7,5% nos casos de feminicídio no estado pode apontar, segundo especialistas, tanto o crescimento da violência de gênero quanto o maior entendimento das autoridades em classificar crimes do tipo.
No Paraná segundo dados do Lesfen - Laboratório de Estudos de Feminicídio o número de feminicídio cresceu entre 2023 e 2024. Foram 142 crimes do tipo consumados no ano passado. Em 2022 foram 132. Silvana Mariano coordenadora do Lesfen, aponta que até outubro, o feminicídio era considerado uma qualificadora do crime de homicídio. "O aumento observado no Paraná pode estar associado ao ganho, da parte dessas autoridades, de uma consistência sobre a violência de gênero, o que, diante da morte de uma mulher, resultaria em maior aplicação do protocolo para investigar, processar e punir com perspectiva de gênero", explica.
As tentativas de feminicídio também cresceram já que foram 63 casos em 2023 ante 195 em 2024 o que representa um aumento de 214%. Os dados, segundo Mariano ainda são preliminares e passarão por revisão nos próximos dias. A pesquisadora ressaltou a percepção de que os veículos de comunicação estão mais sensível a este problema social, produzindo mais notícias sobre as ocorrências e acompanhando de perto todas as fases do processo, do indiciamento até o julgamento.
"O aumento dos registros no Paraná podem representar crescimento da violência contra meninas e mulheres, todavia também pode ser redução da subnotificação. Quando as mulheres estão mais conscientes de seus direitos e confiam na credibilidade dos serviços, isso também contribui para o aumento dos números", detalha.
Em Londrina foram registrados sete feminicídios no ano passado, sendo quatro consumados e três tentados. Se comparado ao ano anterior, registrou-se uma redução neste tipo de crime. Em 2023 foram doze casos sendo sete consumados e cinco tentados. A pesquisadora aponta que a queda tem relação com os casos de mortes de mulheres em situações que podem envolver outros crimes como o tráfico de drogas, por exemplo. "No ano passado, três casos nesta circunstância foram classificados por nós como feminicídio e, em 2024 ainda não classificamos nenhum porque ainda não identificamos, pelas fontes noticiosas, indícios de menosprezo de gênero nas mortes violentas de mulheres em contexto associado com as drogas", esclarece.
"Existe a possibilidade de que houve menos violência feminicida contra meninas e mulheres, como também existe a possibilidade de que as autoridades competentes tenham reduzido o entendimento do risco de morte para as mulheres, como, por exemplo nas classificações por mera lesão corporal", ressalta.
CRIME DOLOROSO E CRUEL
Dos 142 feminicídios consumados em todo o Paraná em 2024, dezenove foram registrados no mês de janeiro. Silvana Mariano explica que os dados apontam que os períodos de festividades e de férias aumentam a violência contra as mulheres. "Isto ocorre porque existe uma intensificação do contato entre as pessoas e, muitas vezes combinado com o uso de substâncias como o álcool e outras drogas, lícitas e ilícitas, predispõem mais os homens à violência", afirma.
Ela reforça que o feminicídio é um tipo particular de perda porque a maior parte dessas mortes acontece no contexto doméstico e familiar, sendo que na grande maioria das vezes, os familiares das vítimas também convivem com o agressor. "Isso tanto dá um sentido particularmente doloroso por ser uma vida ceifada pelas mãos de alguém com quem tenha vínculos afetivos como também a lembrança do agressor assombra vários membros da família, especialmente mulheres", reforça.
VIDAS, NÃO NÚMEROS
O Lesfen deixa claro que as mortes não representam números, mas vidas perdidas, para um crime inaceitável e que começa à partir da desigualdade de poder entre homens e mulheres. "Essas mortes continuam acontecendo porque nós, como sociedade e instituições, normalizamos a violência de gênero e objetificamos as mulheres. Quando afirmamos que não são números, mas sim, vidas de mulheres, nos estamos nos colocando contra essa normalização e a objetificação. Queremos contribuir para a humanização de cada uma dessas mulheres. Quando todas compreendermos que cada uma de nós pode ser essa vítima, nós vamos tolerar menos violência", pontua.
A coordenadora reforça a importância de promover a igualdade entre homens e mulheres nas mais diversas esferas e da transformação para que meninos e meninas sejam ensinados que são iguais em dignidade humana e em deveres e responsabilidades sociais. "Em síntese, a longo prazo precisamos vencer o patriarcado. Em curto prazo, precisamos de politicas públicas e de equipamentos sociais que protejam as mulheres, sem qualquer forma de julgamento. Temos avançado relativamente bem no plano da punição, porém estamos fazendo muito pouco para a prevenção, bem como para a restituição dos direitos das mulheres e famílias que são atingidas pelo feminicídio", finaliza.
QUEIMADAS, PERFURADAS E ASSASSINADAS
No dia 30 de dezembro de 2024, uma mulher de 25 anos teve seu rosto desfigurado por um objeto cortante na Vila Brasil, região próximo ao centro de Londrina. O suspeito, é o companheiro de 30 anos que tentou tirar a própria vida após o crime e foi encaminhado ao hospital. A reportagem, tentou contato com a instituição, mas o estado de saúde do autor não foi informado.
Em nota a PCPR - Policia Civil do Paraná disse que segue investigando a morte da mulher e que o investigado foi preso em flagrante e permanece detido. "Durante seu interrogatório inicial, optou por permanecer em silêncio". complementa a nota. O homem deve responder pelos crimes de ocultação de cadáver e feminicídio.
PROGRAMA MULHER SEGURA
Por meio de nota a SESP- Secretaria de Segurança Pública do Paraná, afirmou que tem se empenhado em combater o feminicídio definindo o crime como intrinsicamente unido e gerado por questões culturais e que precisa ser enfrentado de forma específica. Segundo a pasta, "não há como combatê-lo como se faz contra roubos ou organizações criminosas".
"O combate efetivo se dá por meio da educação e conscientização com o objetivo de transformar pensamentos e atitudes", aponta. Para isso a SESP criou o Programa Mulher Segura, que visa combater a violência contra a mulher por meio de palestras de conscientização direcionadas a homens e mulheres. A SESP explicou que a inciativa começou no ano passado em vinte cidades paranaenses com maior incidência de feminicídios. Os números de ocorrência cairam 38% nesses municípios entre abril (início do programa) até 30 de novembro de 2024 em comparação ao mesmo período do ano anterior. Com a atuação integrada das forças de segurança, durante o período mencionado foram realizadas 420 palestras que impactaram mais de 51 mil homens e mulheres", finaliza.
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