Até maio 2024, todos os manicômios judiciários do Brasil serão desativados, conforme a resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Pessoas com transtornos mentais que cometeram crimes devem ser tratadas nas instalações do Sistema Único de Saúde (SUS), com o apoio da família. O repórter Caco Barcellos acompanhou os internos que chegaram ao fim do cumprimento da medida de segurança no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Franco da Rocha, em São Paulo, e conversou com médicos que veem com preocupação o fechamento dessas instituições.
Essas instituições são o destino de pessoas que cometeram crimes e que têm diagnóstico de transtorno mental. “A gente é paciente, porque estamos num hospital e a gente é tratado de uma forma diferente do sistema prisional comum”, conta um interno. Com a decisão do CNJ, hospitais custódia como o de Franco da Rocha devem fechar e, pacientes com transtornos mentais, que cometeram crimes, vão cumprir a medida de segurança em hospitais gerais, CAPs, ou em outras unidades do SUS.
Nos anos de 1980, o Hospital de Custódia de Franco da Rocha elaborou um dos primeiros laudos médicos que sugeriram ao Poder Judiciário uma desinternação. “Fiz o laudo que deu origem a jurisprudência (...) Sugeri a desinternação progressiva e o juiz acatou”, contou o psiquiatra José Norberto Ramos Leite. Com mais de 40 anos de carreira e, mesmo sendo a favor da desinternação de uma parcela dos pacientes, o médico teme as consequências o fechamento dos hospitais de custódia. “Como isso vai ser organizado também é uma incógnita”, explicou.
No local, um homem que seria desinternado falou com a equipe. Em 2002, aos 22 anos, ele foi acusado de matar a própria mãe e ficou sete anos preso preventivamente numa cadeia comum. Em 2014, foi preso novamente por tentativa de estupro. Com diagnóstico de transtorno mental, foi considerado inimputável – quando a Justiça avalia que alguém não pode responder por seus atos no momento do crime. Há três anos, ele vem sendo treinado e preparado para deixar o hospital. “Pretendo, agora, começar a minha vida de novo, arrumar um serviço. (...) Seguir o conselho que eles [a equipe] me deram, estar participando, indo no CAPs, indo no fórum, para começar minha vida”, contou o homem, que preferiu não se identificar.
Imprensa barrada no ‘apagar das luzes do expediente’
Em Salvador, a reportagem tentou acompanhar uma inspeção feita por um grupo de trabalho multidisciplinar no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico da Bahia, mas foi barrada pela segurança num primeiro momento, após aguardar mais de uma hora do lado de fora. “Na minha opinião, não permitir que a imprensa entre e olhe os presos é censura”, afirmou Diva Santana, diretora do grupo Tortura Nunca Mais. A inspeção foi agendada para avaliar as condições do hospital que, no dia da visita, abrigava 204 internos. Há oito anos, a situação da instituição foi considerada “catastrófica” pelo Conselho Federal de Psicologia. “Nós enviamos um ofício ao excelentíssimo secretário de Administração Penitenciária explicando a ele sobre a vinda da imprensa. No apagar das luzes do expediente, nós recebemos um ofício dele dizendo: ‘conclui-se que a imprensa está autorizada a acompanhar a fiscalização nas áreas externas’”, disse Antonio Alberto Faiçal Júnior, juiz do Tribunal de Justiça da Bahia. A inspeção foi feita sem a presença da imprensa.
E, após quase três horas, a equipe teve autorização para entrar no hospital. No entanto, não foi possível falar com internos e o espaço de acesso foi limitado. Após quase 50 dias da gravação e depois de telefonemas e e-mails, a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária ainda não respondeu sobre a limitação da imprensa no dia da inspeção no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico da Bahia. Mesmo sem a presença da imprensa, a grupo responsável fez a inspeção e apresentou o relatório.
O que diz o relatório de inspeção?
O relatório preliminar diz que “há uma completa ausência de cuidado relativo às condições de trabalho, bem como de abrigamento das pessoas ali alojadas”. "As paredes apresentam áreas com mofo, de modo que o cheiro em algumas dependências (quartos), torna a permanência insalubre. Além disso, o ambiente é escuro e úmido, com diversas crateras no chão e nas paredes. Canos e fiações estão expostos. Os banheiros estão em condições insalubres de higiene, com forte odor e acúmulo de poças de água suja, esgoto ao ar livre”.
Segundo o relatório, o grupo de inspeção não pôde visitar as alas masculinas, mas elas estão “superlotadas, diante da baixa quantidade de funcionários(as) e do efetivo de sujeitos em cumprimento da medida de segurança (superior a 200 pessoas)”. O juiz auxiliar da presidência do CNJ explicou os motivos da mudança e fechamento dos manicômios judiciários. “Naquelas situações em que uma pessoa tenha que ser desalojada sob cuidado, que elas sejam absorvidas pelo serviço que a rede já proporciona. Temos, aqui, um bem-maior de proteção nesse equilíbrio, ao mesmo tempo, de não vulnerabilizar a sociedade, mas, também, de valorizar essas pessoas que, a realidade mostra, ficam absolutamente esquecidas e sem o principal, o atendimento de saúde, que pode reestabelecer o convívio”, explicou Luís Geraldo Santana Lanfredi. 'Somos a favor de hospitais decentes' Em Porto Alegre, os repórteres Ariane Veiga e Erik Von Poser visitaram o único manicômio judiciário do Rio Grande do Sul. Com quase 100 anos de existência e cerca de 200 internos psiquiátricos, o Instituto Psiquiátrico Forense não pode receber novos internos desde 2015 por conta de uma interdição parcial provocada pela superlotação e pela precariedade das instalações. “Ninguém aqui é a favor de manicômio, nós somos a favor de hospitais decentes, com recursos, não é lugar sucateado”, acrescentou Ruben Menezes, psiquiatra do instituto.
Em uma das visitas que fez ao espaço, o juiz do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Alexandre de Souza Costa Pacheco, encontrou uma pessoa que estava presa na triagem por cinco meses sem banho de sol. “A triagem seria a porta de entrada para todos aqueles que ingressavam no IPF. É um ambiente insalubre, que não apresentava, não reunia as melhores condições de atendimento para a saúde mental”, relatou. Atualmente, o instituto tem apenas dois psiquiatras e cinco enfermeiros – número insuficiente para o atendimento 24 horas dos internos. Segundo a equipe médica do IPF, um em cada três pacientes, cometeu homicídio. As principais vítimas são as próprias mães.
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